domingo, 22 de julho de 2007

«Recortada a preto e branco com degradés de cinzento, nota suspensa da coreagrafia labiríntica que na vida cumprimos, exímios bailarinos do tempo, está ali a cristalização do gesto.
Na fotografia o gesto mágico roubado ao movimento.
Na aparente imobilidade do gesto o mistério. O convite. O desafio aos sentidos.
A súbita e electrizante descoberta. No gesto. Na ambiguidade do gesto.
É o jogo clandestino das formas aprisionadas, onde tudo vale e o gesto flui no engano das linhas fixas do tempo capturado. É o fascínio da fotografia.
Tudo o que se sente quando se olha finalmente para uma fotografia é propriedade absoluta dos nossos sentidos. O artista não partilha conosco o prazer delirante da descoberta. Ele já descobriu. Somos nós os cúmplices. Na engrenagem do jogo clandestino somos nós quem determina a linguagem da comunicação.
A fotografia é o acto de amor do fotógrafo. Ele dá-nos o espaço onde podem coabitar os nossos fantasmas e os que ele já lá deixou. Paralelamente. Sem nunca se tocarem. As sensações não se partilham. Acompanham-se muito de perto talvez, mas não se partilham.
O artista que fala com a objectiva. Quer, e muita vezes precisa, mostrar o gozo experimentado naquela imagem, observação lúcida do gesto que fazemos e não vemos. Ou a dor, o sorriso. A própria confusão dos fantasmas que nos são comuns. Há em toda a parte sinais que nos são familiares. O erotismo sentido que se percebe na explosão quente das formas que tocamos com os olhos. os vazios que procuramos evitar.
O artista é a nudez completa que nos fita com a verdade nos olhos. Expõe-se. É agora tremendamente frágil. Está consciente da sua vulnerabilidade e, contudo, exibe-se. Está lá. Faz a proposta.
Antes de tudo e acima de tudo há a coragem.É o ponto de partida. A coragem da proposta.
Nesta mostra, como em outras anteriores, Manuel Pessôa-Lopes aparece-nos como imaginário retalhista em armazém de memórias. Absolutamente só num mundo que o fascina e o confunde. Cruza o sorriso com um soluço contido .
É com dose de tremenda generosidade que nos descobre a gaveta mágica das imagens sem poder esconder a ânsia de nos sentir as emoções. De nos sentir perto dele. Daquilo que nele existe de (in)compartilhável.
Sente-se que tem uma nervosa necessidade de estar em cada fotografia, como um Peter Pan inquieto, atento ao nosso olhar, a dizer excitado, quando nota um particular brilho num particular olhar sobre um particular espaço/fotografia que... Há mais, tenho mais, tenho tudo... um tudo que ficou algures em sotãos de esquecimento e a frebe de uma mostra bloqueou a meticulosa escolha.
Não interessa se há ou não uma linguagem uniforme no discurso de Manuel Pessôa-Lopes. Deveria haver? Pesou mais a emoção na balança da escolha. Mas não excessivamente. O quanto baste para entender as nuances desse olhar rico de ternura. E lucidez. Dar. Dar é o mote. Abrir a pertubante galeria de espaços preenchidos por desilusões ainda atadas por um fio à ténue esperança de reaver o que porventura se tem como perdido.
O resto... o convite à participação... o gesto está lá. A proposta existe.»

António Manuel Esquível
1988